sexta-feira, 24 de agosto de 2012

PELOS CAMINHOS DA SANTIAGO - RECORDANDO O CAMINHO SANABRÊS (ABRIL DE 2009)


Aos peregrinos que fazem a "Via de la Plata", após Zamora, em Granja de Moreruela, surgem duas possibilidades: ou caminham em direcção a norte, até Astorga, onde vão entroncar no Caminho Francês, ou flectem em direcção a poente pelo Caminho Sanabrês (ou Mozárabe).
O Caminho Sanabrês "nasce", portanto, na pequena localidade de  Granja de Moreruela, a poucos Km de Zamora, em tem passagem por, entre outras, Tabara, Puebla de Sanábria (daí o nome), a Gudiña, Laza, Xunqueira de Ambia, Ourense, Cea, Silleda e, finalmente, Santiago.
O Caminho é de uma beleza (e dureza) indescritível e atravessa, sobretudo, pequenos aglomerados populacionais pelo que é sempre necessário algum cuidado na escolha da pernoita.
Lembro-me que na noite em que ficamos albergados em Castro Dozón o melhor que conseguimos para o jantar foram uns "embutidos" e pão de forma que adquirimos num pequeno supermercado local.
Outra das imagens que irei para sempre reter deste Caminho, entre a Gudiña e Campobecerros, bem junto à barragem de Portas, foi a de uma idosa que, ao avistar-nos, calcorreou meia encosta para vir de encontro à nossa passagem, só para poder trocar connosco meia dúzia de palavras.
Não é dos Caminhos mais procurados para "peregrinar". Na 1ª. noite, em que pernoitámos em Vilar de Barrios, éramos os únicos ocupantes do albergue.
Na 2.ª noite, em Castro Dozón, partilhámos o albergue com três peregrinas de nacionalidade espanhola e dois "pés descalços", julgo que, de nacionalidade alemã, que, para além de serem falsos peregrinos, ainda se deram ao "luxo" de não permitir que partilhássemos dormida com eles.

Esta foi a minha primeira "aventura" pelos Caminhos de Santiago.
E que aventura!
Quando o Nuno (Marques) me convidou para alinhar numa "ida" a Santiago, juntamente com o Oliveira, saindo de Bragança, estava bem longe de imaginar ao que ia e para o que ia.
Os preparativos começaram com elevada despreocupação: Julgo que apenas com três ou quatro semanas de antecedência.
Uma deslocação à Decathlon de Salamanca, (à época a mais próxima da Guarda) para aquisição de algum material (mochila, toalhas, lanternas, sacos cama e pouco mais) e eis os rapazes preparados para "O Caminho"
Fazendo fé nas palavras do Nuno era como se de uma voltinha de domingo se tratasse!
O único conselho que segui à risca foi o peso da mochila, que não deveria ultrapassar os 5 Kg.
Na mochila ia o saco cama, a tolha, dois calções de ciclismo, duas jerseys, alguns pares de meias, roupa interior, chinelos, objectos de higiene pessoal (máquina de barbear, gel\champô de banho, pasta de dentes e escova), uma muda de roupa para depois das etapas que incluía (apenas) umas calças e uma camisa e um impermeável/corta vento.
Como substituíveis para a bicicleta (apenas) duas câmaras de ar e ... (julgo que) dois apertos rápidos para as rodas.
Uma coisa é certa: Fizemos todo o Caminho sem um único problema. A registar apenas um furo na minha montada a meio da "Calçada Real" logo a seguir a Ourense (e que soube pela vida ao Oliveira!!!).

Dia 1 (um) - 14 de Abril de 2009 (terça feira): Bragança\Vilar de Barrios - 115 Km
Acumulado ascendente: 2794 m
Acumulado descendente:2832 m

Gráfico de altimetria:

 Nota: A distancia total efectivamente percorrida não deve ter andado muito longe dos 130 Km

O dia começou bem cedo e sob ameaça de chuva: Às 4,50 horas já estávamos todos junto da casa do Félix, ficando a faltar apenas um elemento, que apanharíamos mais à frente, junto às bombas de gasolina, após a rotunda, e que era, afinal, um conhecido de outras paragens. Era nada mais nada menos do que o Dr. Nuno Santos que havia conhecido num passeio organizado pelo município de Freixo de Espada à Cinta e, mais tarde, nos reencontraríamos na Beselga.


(Saindo de Bragança)


(O 1.º reforço alimentar em Parâmio)


(Foto de grupo, na 1.ª aldeia galega que encontrámos - Manzalvos)

Em Manzalvos (pequena localidade espanhola localizada imediatamente a seguir à linha de fronteira) aconteceu uma "estória" muito engraçada: Atrás de nós (na foto acima) estava um café/bar cuja proprietária era portuguesa e onde pretendíamos tomar o pequeno almoço só que ainda não tinha chegado o padeiro. A proprietária não está com meias medidas: pega numa nota que entrega a um de nós (já não me recordo a quem) e indica-lhe a padaria, algumas dezenas de metros à frente, para ir comprar pão para o bar. E assim foi. Tomámos um óptimo pequeno almoço, ainda que com algum trabalho extra!

(A 1.ª marca do Caminho - faltavam 238 Km)

(No 1.º cruzeiro, onde cumprimos a tradição, deixando uma pedra, que simbolicamente continha um desejo)


(Antes de chegar a Campobecerros - à direita fica a barragem de Portas)



(O Beto e o Oliveira, num bar em Campobecerros, esperando pelo almoço, que não apareceu)


(Almoçando em Laza)

 Neste 1.º dia não foi nada fácil arranjar onde almoçar (e jantar). Chegados a Campobecerros (ou será Campo de Becerros), aldeia típica galega de uma beleza indescritivel, entrámos num bar, gerido por um casal septuagenário a quem perguntámos por almoço. A resposta foi afirmativa só que o almoço tardava em chegar. Depois de longa espera, talvez hora e meia, fomos espreitar à cozinha. Estavam os dois sentados à mesa, almoçando na maior das calmas. Do nosso almoço nem cheiro!
Fomos almoçar a Laza.
Dado o adiantado da hora e tratando-se de peregrinos fomos amavelmente atendidos, ainda que por especial favor. Deveriam ser umas 15,30 horas (hora portuguesa) quando chegámos e só com a bondade (e devoção) da proprietária/cozinheira almoçámos.
Pela a primeira vez comi presunto frito, que estava uma delicia.
No final do repasto mais uma "estória": A senhora, devota de Santiago, apresentou-nos o "livro de visitas" onde pretendia que deixássemos uma mensagem. Encarregando-se disso o Oliveira. Só que a dita não conseguiu decifrar a mensagem, entretanto, redigida pelo Oliveira, pedindo-me para lha ler. 
Não é que o Oliveira, com uma "ganda lata" escrevera comovente mensagem deixando a dita senhora num choro compulsivo.
A saída foi feita entre lágrimas e beijos de despedida. Comovente.


(Esta "parede" estava logo a seguir a Laza e antes de Albergaria)


(Tomando café no famoso "Rincon del Peregrino" em Albergaria)


(A marca da nossa passagem pelo "Rincon del Peregrino")


(Ultrapassando as dificuldades do Caminho)

(Pormenor do Albergue de Vilar de Barrios, onde pernoitamos em que são visíveis as nossas montadas)

Esta primeira etapa terminou em Vilar de Barrios, onde pernoitamos no albergue local, que tem óptimas condições de acolhimento.
O mais difícil nesta pequena localidade foi conseguir o jantar. Depois de alguma procura, o melhor que conseguimos foram uns bifes (se é que se pode chamar isso a carne frita) e uns ovos "fritos" (que afinal eram estrelados, mas muito bem passados) numa pequena tasca localizada um pouco antes do albergue e só com a muito boa vontade da proprietária (já com alguma idade), após longa e fumarenta (porque cheia de fumo) espera.

Dia 2  - 14 de Abril de 2009 (quarta feira): Vilar de Barrios\Castro Dozón - 78 Km
Acumulado ascendente: 2 272 m
Acumulado descendente: 2 206 m

Gráfico de altimeteria:

Nota: A distancia total efectivamente percorrida não deve ter ando muito longe dos 90 Km.

Este foi para mim o dia mais complicado de todos. O desgaste físico provocado pela longa "tirada" do dia anterior, aliado à chuva que teimava em nos acompanhar, também para isso contribuíram.
A alvorada aconteceu às 5,00 horas.
Antes das 6,00 horas da manhã, ainda no escuro e com recurso a luz artificial, já nós pedalávamos por longas e encharcadas rectas.

(No hall do albergue, preparando as montadas para a jornada do dia)


("Enfiando" os impermeáveis, nas proximidades de Vilar de Barrios)


(Xunqueria de Ambia - Bar onde tomámos o pequeno almoço)

(Xunqueira de Ambia - Marca - antiga - do Caminho)


(Em Ourense, junto à ponte romana, sobre o rio "Miño")


(Com o Nuno, em Ourense - ao fundo a ponte Europa sobre rio Minho)

Atravessar Ourense não foi tarefa fácil. Dentro do perímetro urbano as "flechas" amarelas desaparecem, dando lugar às vieiras, que estão cravadas ao longo dos passeios. Só a larga experiência do Júnior permitiu que rolássemos por Ourense sem uma única falha.
Atravessar Ourense foi para mim extremamente agradável. Nunca tinha "rolado" de bicicleta em circuito citadino com transito automóvel tão intenso.
Após Ourense uma grande "parede": A Calçada Real, que é um troço do "Caminho", na sua quase totalidade pavimentado com grandes lages de granito, com excepção na parte final, e de onde se obtém vista fabulosa sobre a cidade e onde eu furei (para grande alivio do Oliveira).


(Paragem para almoço)

(Cea)


Após Cea, o imponente mosteiro medieval de Oseira, de fundação beneditina. A merecer demorada visita, não concretizada. Uma grande falha nesta "peregrinação". Falha que ficou gravada na minha memória. Acolhe peregrinos ...


(O imponente mosteiro beneditino de Oseira)

Logo após o mosteiro outra grande "parede" a exigir muito das pernas e das montadas, extremamente técnica, a que se seguiu um lanço, não muito longo, que mais parecia um carreiro de cabras, que teve de ser feito de forma apeada.

(Neste lanço, com o Beto a abrir caminho", os tojos eram uma constante)


(Outro pormenor da descida)


 Neste 2.º dia a chuva fustigou-nos de forma insistente.
A etapa terminou em Castro Dozón, onde chegámos completamente encharcados, debaixo de chuva intensa.


(O Oliveira junto do albergue de Castro Dozón)

Em Dozón mais uma "dor de cabeça": Não tínhamos onde jantar. O pessoal de Bragança optou por cozinhar o seu próprio jantar no albergue com  produtos que adquiriu num pequeno supermercado local. Nós, os da Guarda, optámos por umas "sandochas" feitas com "embutidos" que adquirimos também nesse mesmo estabelecimento, indo "trinchá-las" para o piso superior do edifício, que funcionava como café, e onde visionámos um jogo de futebol, julgo que para as competições europeias.

O albergue de Dozón funciona num edifício pré-fabricado e tem óptimas condições de acolhimento. O único ponto negativo que lhe apontámos foi no ar condicionado, cujo aparelho era extremamente ruidoso, tornando-se, por isso, incomodativo.


Dia 3  - 15 de Abril de 2009 (quinta feira): Castro Dozón\Santiago de Compostela - 68 Km
Acumulado ascendente: 1 756 m
Acumulado descendente: 2 261 m

Gráfico de altimeteria:














Gráfico extremamente enganador. Não sendo o pior dos três, foi um dia muito difícil.

O despertar, tal como nos dias anteriores, aconteceu pelas 5,00 horas. Só que o dia amanheceu extremamente chuvoso, retardando a saída do albergue. Começamos a pedalar um pouco depois das 8,30 horas, ainda chuviscava, o que fez com que os primeiros Km da etapa fossem percorridos em trilhos extremamente enlameados.
Pouco depois as condições meteorológicas melhoraram consideravelmente, de tal forma que quando chegámos a Santiago o sol raiava.

(Preparando as montadas para a última etapa, debaixo do alpendre do albergue)


(O que o amigo Oliveira fez para se proteger da chuva!!!)


(Ponte romana sobre o rio Deza - Taboada)


(O grupo num momento de descontracção)


(No desvio - Apreciando as obras da nova ponte sobre o rio Ulla)

(Depois da passagem pela ponte velha sobre o rio Ulla)

Neste último dia, não houve direito a paragem para almoço. Como forma de recuperar tempo decidimos comer apenas uns "bocadillos", de onde em onde, até chegar a Santiago.
 Na parte final da etapa o grupo separou-se. O pessoal de Bragança, como estava com alguma pressa, aumentou a cadência com o intuito de apanhar o comboio ao final do dia, com destino a Puebla de Sanábria.
Nós progredimos em ritmo mais lento. Por volta das 16,30 chegámos à praça do Obradoiro.


(Nas proximidades de Santiago - ao fundo já se conseguia distinguir a cúpula da catedral)


(Uma imagem vale por mil palavras!!!)


A chegada à Praça do Obradoiro é sempre um momento mágico. É algo que mexe connosco.
Depois de arrefecer um pouco as emoções dirigimo-nos à Oficina do Peregrino onde recolhemos a nossa "Compostela".


(Junto à Oficina do Peregrino)

Neste último dia chegámos imundos. As nossas montadas carregavam alguns Kg de trampa (para não dizer outra coisa).
Uma vez chegados ao destino havia a necessidade de arranjar local onde pernoitar e adquirir uns sapatos para mim e para o Nuno, pois as únicas botas que tínhamos eram as que trazíamos nos pés essas estavam intratáveis!...
A ideia inicial era pernoitar no Seminário Menor, só que o Oliveira, sem que déssemos conta, já havia "bajulado" dormida numa pequena pensão localizada muito próximo da catedral, ficando extremamente bem instalados, tendo ainda a possibilidade de lavar as bikes com toda a tranquilidade, pese embora a chuva que teimava em cair.
Adquirir calçado não se revelou tarefa fácil. Ia-mos provocando um ataque de pânico às meninas da sapataria!
Como estávamos extremamente sujos (e mal-cheirosos) lá se resolveu a situação com alguns jornais e sacos de plástico!...
O Nuno adquiriu umas "All Star" por, imagine-se, 5,00 € e eu adquiri uns sapatos por pouco mais!...

(Foi neste estado lastimoso que chegámos a Santiago)

Bicicletas lavadas e arrumadas e depois de bem higienizados fizemos uma deslocação até ao "El Corte Inglês" onde adquiri um casaco, uns calções de ciclismo e um suporte para a bicicleta.
Com a ajuda de um taxista "descobrimos" um restaurante onde fomos príncepescamente tratados. Desde os mexilhões avinagrados até à carne (Xoleton), passando pelas sobremesas, tudo bem regado com um bom vinho, incluindo um "Porto" para acompanhar os queijos, contribuíram para tornar inesquecível este belo repasto.
O jantar ficaria, no entanto, "ensombrado" por um longo telefonema recepcionado pelo Oliveira, julgo que do Félix, onde lhe foi transmitido que o grupo de Bragança ainda se encontrava em Santiago, por impossibilidade do transporte das bicicletas no comboio.
Nós, o grupo da Guarda, fomos dormir o "sono dos justos".
Quanto ao pessoal de Bragança, andaram toda a tarde (e noite) numa roda viva a tratar de transporte alternativo, com recurso a uma carrinha rent-a-car, chegando pela manhã de sexta-feira (16 de Abril) a Bragança.

Dia 4 - 16 de Abril (sexta feira) - Regresso às origens

Este foi o nosso último dia em Santiago.
A manhã foi dedicada a demorada visita à catedral e zona envolvente, horários e aquisição de bilhetes para o comboio.
De referir que em Espanha a Renfe permite o transporte de bicicletas nos seus comboios, com alguns condicionalismos, pelo que se aconselha consulta previa.
Assim, ao fim da tarde saímos de Santiago, em direcção ao Ourense, onde fizemos o transbordo para a automotora que nos levaria até Puebla de Sanábria, onde chegámos noite dentro.
O transbordo Ourense\Puebla de Sanábria foi de um "regabofe" tal, em especial para o Oliveira, que ainda hoje deve andar a ouvir musicas que permutou com as simpáticas "espanholitas" de Sanábria.

(A caminho da estação da Renfe)


(No interior do comboio)


A ideia inicial era fazer a ligação, desde  Puebla Sanábira, a Bragança de bicicleta, dai eu ter adquirido uns calções de ciclismo no "El Corte Inglês", no entanto os horários dos comboios inviabilizaram tal concretização.
Assim o Oliveira, de entre as várias hipóteses, lá se lembrou de um velho amigo que nos foi buscar numa velhinha Ford Transit.
O dia terminou com uma bela jantarada com o restante pessoal de Bragança, num restaurante local.
No dia 17 de Abril (Sábado), pela hora do almoço, estávamos de regresso a casa.


 (O transporte do pessoal de Bragança)

Um agradecimento muito especial ao Júnior, Félix, Beto e Dr. Nuno Santos, pois foram incansaveis e transmitiram-nos um sentimento de união e de amizade muito fortes.
O Júnior, na imagem acima, foi o guia. O que eu aprendi com ele! ...
Este homem em cima da bicicleta (e fora dela) é um SENHOR. Um verdadeiro líder.

Passaram três anos desde esta aventura.
Três anos depois voltei a encontrar o Oliveira e o Nuno (Marques) na Praça do Obradoiro, em Santiago, desta vez percorrendo o Caminho Central Português.

É costume dizer-se que quem faz o "Caminho" nunca mais pára. Qual será o Próximo?


(A Minha  primeira "Compostela")


NOTA: Pode visualizar ou descarregar o TRACK aqui

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